domingo, 8 de janeiro de 2012

Sorte ou Oportunidades?


         Assassinado pela PM. Dependente químico. Ambulante. Vendedor de passarinho. Cabo da PM expulso da corporação e lanterneiro em oficina de fundo de quintal. São atividades profissionais, ilícitas ou não, de alguns de meus amigos de infância.


         Eu poderia estar retratado no quadro acima, mas não estou. Fugi do presídio existencial de milhares e milhares de vagas destinadas a negros e brancos carentes, escapei pela porta da frente à luz do dia...

          A sortuda “mamãe áfrica” enquanto contornava as unhas dos pés de sua mais nova cliente narrava seus dramas e dificuldades, e especialmente uma frase “arrebatou” o coração de sua cliente: “Não vou criar meus filhos para comerem de marmita”..


          A cliente classuda era dona do 2º melhor educandário do subúrbio de Colégio, Rocha Miranda, Coelho Neto, Vila Santa Tereza e Honório Gurgel – Instituto Azevedo Correa. Propôs à minha mãe um contrato de risco: “Dou bolsas de 100% aos seus filhos – eu e Sérgio - conquanto eles tirem, em todas as matérias, em todos os anos, nota mínima “oito”. Um verdadeiro estupro pedagógico. Eu nunca pensei que pudesse agradecer a Deus por ser estuprado.


Essa era uma exigência de seu sócio, o Prof. Airton, que era absolutamente contrário a tal concessão. O que aconteceu?


           Precisamos, os negros, brancos, índios, nordestinos, todos,  de oportunidades e não de sorte!


 Costumo dizer em minhas palestras que não sou exemplo de vida para os negros, pois o que aconteceu comigo foi pura sorte, e quando me acusam de ser hábil e inteligente, sinto que esses talentos talvez estivessem a serviço de um mundo torpe, não fosse a sorte ter me achado.


Se sou a favor do sistema de cotas? Claro que não! Pois é de fato indigno que um não negro ou não pardo seja preterido de seu futuro por secção racial, pois a solução está em a sociedade entender que os negros não querem fugir dos presídios existenciais através da senha chamada sorte. É um acinte o sistema de cotas.


Os governos Federal, Estadual e Municipal deveriam providenciar oportunidades às “mamães-áfricas” para deixarem seus filhos em ambiente escolar digno e saudável enquanto vão em busca de seus sonhos.


            A sociedade deveria ouvir o som da Dona Edir e se espelhar em seu exemplo solidário e entender que não faz favor, mas é gesto digno, parceiro, comum, estrutural, promover rampas de acesso às empresas, cursos comunitários, programas de incentivo à cultura, lazer, esporte, arte, entre outros.


O que aconteceu? Nunca estudei em escola pública, formei-me honrosamente no Instituto Azevedo Corrêa, cheio de medalhinhas no peito – quem tem mais de 50 anos se lembra das medalhas aos melhores alunos – Passei, por concurso, para o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, mantido pelo Ministério do Exército, de lá fui para o Colégio Naval, Escola Naval, de onde saí sem me formar. Sou Pastor, Professor e Psicólogo. Mestre em Teologia e pós-graduado em filosofia, ambos pela PUC/RJ.


           Não sou exemplo para os negros, mas sim para os “BRANCOS”, estampados no exemplo do Prof. Airton, símbolo de uma sociedade fustigante, hipócrita, cínica, indiferente e alienada, que nega dignas oportunidades para os negrinhos nossos de cada dia. 


 A sociedade fala e deseja paz, mas de paz não entendem, pois convenientemente acreditam que ela é fruto do silêncio dos mais fracos politicamente que, sem instrumentos de realização, não alcançam a visibilidade necessária para serem ouvidos.


           Se sou a favor do sistema de cotas? Claro que sou, pois enquanto a estrutura social negar aos negros e brancos pobres oportunidades dignas e os obrigar a fugirem dos presídios existenciais apenas através de um golpe de sorte, como em cassinos ou jogos de cartas, não teremos outra saída, se não, “trapacearmos”  e continuar a sermos tratados e vistos  como pedintes, favorecidos, protegidos.


            A solução é simples, não é racial, mas sim política e social. É só os governos Federal, Estadual e Municipal promoverem oportunidades a todos, brancos, não brancos, crédulos, não crédulos, comuns e especiais. Aí finalmente poderemos contemplar não um sistema de cotas raciais, mas um sistema de igualdades de oportunidades.